quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Homenagem a Alex Vallauri


Benvindos ao blog Artevaral que volta para homenagear o artista plástico, desenhista, gravador e grafiteiro Alex Vallauri, um ser humano fora de série.
Os textos e imagens foram retirados do livro "Alex Vallauri, da gravura ao grafite - Biografia", de autoria de Beatriz Rota-Rossi.
Única biografia autorizada pela família do artista.

Prefácio


Este livro tem por objetivo revelar documentos inéditos do artista plástico Alex Vallauri, para melhor entender sua obra. Procurei evitar especulações demasiado pessoais, tentando manter a recomendável distância emocional para narrar os fatos, o que foi extremamente difícil devido à cotidiana e insubstituível presença de Alex em minha vida. À minha emoção somou-se a dos entrevistados, também eles com relatos permeados de ternura, saudade, admiração, gratidão e um desejo unânime de trocar a ausência de Alex por um repertório infindável de lembranças. Alex foi um ser humano dominado pela paixão de criar e pelo prazer de viver. Moldou seu caráter com um profundo sentido de responsabilidade profissional. Conservou inalterada a ingenuidade da criança. O destino não o poupou de duros golpes, mas seu comportamento nada tinha a ver com a do artista maldito cantado pelos românticos. Obstinado, colocou a serviço da arte todas as suas possibilidades inventivas. Para acompanhá-lo nessa tarefa arrebanhou família, amigos e outros artistas que o seguiam entusiasmados envolvidos por sua personalidade. Afinal, só se podia ganhar com isso. Alex misturava tudo. Pegava uma camiseta com as mãos sujas de uma amálgama de tinta para a impressão e talco, colocava na prensa e girava o timão para fabricar mais uma de suas camisetas xilogravadas. Um luxo.Então... ensinava: - coloque assim, não encoste ali, puxe a beirada e ponha mais tinta!Enquanto isso, tocava numa vitrolinha toda torta e empoeirada o primeiro disco da Roxy Music, um carro buzinava na porta da garagem e dona Lea chamava para almoçar.Eu olhava figuras e mais figuras espalhadas pelo ateliê, referências: sacos de padaria impressos, carimbos padronizados, livros de fetichismo, mulheres nuas, suecas de 1950 (eu adorava), ilustrações de coelhos ingleses, algumas antigas com anos de história e comportamentos e até cheiro, codificados entre seus sinuosos traços.Alex ensinava a combinar coisas, conhecia profundamente linha, textura e cores existentes em cada uma e fez de tudo para aproximar o universo dos artistas anônimos, fazedores de carimbos e desenhistas de anúncios de sapatos ou a obra de Warholl a seu universo de artista criador, genial e conceitual.Foi mais longe. Não estampou suas obras só em telas nem as imobilizou entre quatro paredes. Devolveu para a rua (para todos) o que achou lá, muito melhorado. (1)
Pelo ateliê circulavam objetos pessoais, correspondências, notas aqui e ali, desenhos, alguns sem data, numa bagunça indescritível. Nos raros dias de faxina apareciam arrumados com rigor monacal e desapareciam no caos do dia seguinte.Depois de sua morte tudo ficou silencioso em gavetas e caixas. Lea Vallauri, sua mãe, João Spinelli, seu amigo, Claudia Vallauri, sua irmã, e eu nos dedicamos a organizar o que parecia impossível. Com tão farta documentação, e ainda a minha particular, pensamos que poderia se escrever uma biografia de Alex que enfocasse sua opção pelo desenho e a gravura como meios de expressão; seus triunfos precoces como xilogravador e, em especial, a sua busca de por uma linguagem plástica singular – que começou aos onze anos de idade e desembocou na Bienal Internacional de São Paulo, de 1985, com “A Festa na Casa da Rainha do Frango Assado”.
[1] Pierluiggi Canepa em e-mail de 24 de julho 2004

Homenagens póstumas a Alex Vallauri (1949-1987).

Emissoras de TV, jornais e revistas do Brasil, Estados Unidos, França e Itália noticiam sua morte. O jornal L´Express, da França, comenta seu falecimento lembrando que quando os grafites de Alex invadiram os muros de Nova Iorque o jornal lhe dedicou uma página inteira.
Em 1987, a Associação Paulista dos Críticos de Arte lhe concede o prêmio em Arte e Comunicação in memoriam, no evento: “Os melhores de 1987”. O Professor Pietro Maria Bardi, intelectuais, artistas e jornalistas realizam homenagens póstumas.
No mesmo ano, uma sala recebe seu nome no Museu de Imagem e Som de São Paulo (MIS).
Em 1988, a Prefeitura da Cidade de São Paulo, através do decreto 25.833, de 28 de abril de 1988, cria a Travessa Alex Vallauri, no bairro de Itaim Bibi à altura das ruas João Cachoeira e Tabapuã e consagra o dia 27 de março, dia de seu falecimento, como Dia Nacional do Grafite.
Sua obra figura na coletânea de obras de 34 artistas brasileiros contemporâneos, editada pela KSB do Brasil, em 1988, sob o patrocínio do Ministério da Cultura do Estado de São Paulo, com apresentação de Radha Abramo e curadoria de Noris Lisboa.
No mesmo ano, o Espaço FUNARTE, já restaurado, homenageia Alex convidando artistas plásticos para renovar o mural de 100 m2 por ele produzido e que hoje leva o seu nome. Trabalham Alex Fleming, Carlos Matuck, Hudinilson Jr., John Howard, Julio Barreto, Mauricio Villaça, Vado do Cachimbo, Waldemar Zaidler e muitos outros.
Em 1989, o Paço das Artes, em São Paulo, inaugura a Sala Alex Vallauri. No mesmo ano, se realiza uma exposição de inéditos de Alex na Galeria Susanna Sassoun, também em São Paulo e A Secretaria de Cultura da Municipalidade de Santos o homenageia com uma exposição no Teatro Patrícia Galvão, com apresentação do crítico de arte Jacob Klintowitz.
Nos anos subseqüentes se sucedem exposições: no Museu de Imagem e Som do Estado de São Paulo (MIS), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), na Fundação Álvares Penteado, em São Paulo, no Museu de Arte de São Paulo (MASP) e em várias galerias particulares.
Em 1997, a Secretaria da Cultura do Estado da Bahia o homenageia no Dia Nacional do Grafite.
No mesmo ano, o SESC Fábrica Pompéia realiza o evento “Dez anos sem Alex” também exibido pela TV Cultura de São Paulo.
Em 1999-2000, o Museu de Imagem e Som de São Paulo realiza, sob curadoria de Paulo Klein, uma exposição antológica que ocupa todos os andares do edifício e o museu fica depositário de várias de suas obras, de máscaras em stencil e de um grande acervo de slides.
Em 2001 A Universidade da Cidade de São Paulo, (USP) e a Prefeitura realizam uma homenagem com a presença de autoridades, artistas e intelectuais.
Mas a homenagem mais calorosa é a dos grafiteiros que, na doação anônima de seu trabalho, grafitam VIVALEX no “buraco da Avenida Paulista”.

O carro da Rainha do Frango Assado, Bienal de São Paulo 1985


A Casa da Rainha era uma instalação que começava já no térreo do prédio da Bienal. Uma casa de sala, cozinha e um banheiro sensual decorado ao estilo dos anos 50. A Rainha tinha direito a jardim com fonte iluminada com luz de néon. Paredes, móveis, eletrodomésticos, bibelôs e até papel higiênico foram grafitados com motivos de pele de onça e coxinhas de frango, assim como paredes e tapetes com motivos florais. A Rainha tinha um carro último modelo grafitado, um Monza doado pela General Motors, que hoje faz parte da coleção de carros da fábrica.

Grafite para a "Festa na Casa da Rainha do Frango Assado" SP 1985


Com a temática “O homem e a vida”, a Bienal de 1985 buscava retratar o presente, alinhavando e dando significado à heterogeneidade da produção artística contemporânea.
A mostra, que reunia a excelência do grupo “Cobra”, do “Expressionismo no Brasil” (“Heranças e Afinidades”) e do neo-expressionismo da “Grande Tela”, foi considerada pela crítica uma Bienal com grandes altos e baixos, mas será nas instalações que os comentaristas se detêm com agrado.

A situação melhora nitidamente nas instalações. O alívio é quase físico. Apesar de algumas delas não sobreviverem ao clima de “viagem”, há uma intenção artística mais nítida em todo o conjunto. Da Cachoeira, de Leda Catunda, passando pelos trabalhos de Lenilson, até a Festa da Rainha do Frango Assado, de Alex Vallauri, pelo lado dos brasileiros; e, pelo lado dos estrangeiros, Ultima Thule, a instalação unanimemente apelidada de Casa de Borracha, do norueguês Per Inge Bjorlo, e especialmente Lês Ombres, de Christian Boltanski (...), em todo o núcleo de instalações respira-se bem melhor. *

* Reynaldo Roels Jr., Jornal do Brasil, A Bienal tem de tudo, RJ, 9 de outubro de 1985.

Alex com "Diabinho" em recorte, camiseta serigrafada e sky line ao fundo - SP 1984


Se eu quisésse conferir um mote à vida e à obra de Alex que lhe resumisse o sentido, seria − a alegria como ideologia.
A exposição na Galeria São Paulo, com Carlos Matuck e Waldemar Zaidler, foi considerada uma das mais bem-humoradas do ano. O kitsch reinava na galeria numa irreverente distribuição de grafites estampados nos muros internos das salas: cadeiras, luminárias, quadros, mesinhas, bar, garrafas de vinho e taças, tudo grafitado.

Ninguém consegue viver longe do Kitsch porque ele faz parte da realidade de qualquer pessoa: do mendigo ao rei da Inglaterra, passando por nós, os artistas. O kitsch é uma situação romântica que não manipulo criticamente. Eu crio um clima de ilusão, de mentira, de trompe l´oeil e o kitsch é perfeito para isso. *
* O Estado de São Paulo, 20 de dezembro de 1983, s/p.

Muro com "Telefone" Soho, EUA - 1982


Me desencantei com o grafite daqui. Pensei que ia encontrar coisas inovadoras. Que nada! E eu que pensava que seriam os melhores do mundo! Não passam de pichações de fraco acabamento. Você ia gostar dos “monstrinhos” de Alan Parker e os poemas de Allan Boy dois caras da vídeoarte que valem à pena.*
O trabalho de Keith Kering (convidado pela quadrienal Documenta de Kassel, na Alemanha, em 1980, e pela Bienal de São Paulo, no mesmo ano), de Mark Hoxy e de Richard Hambledon, merece sua atenção. Suas imagens começam a invadir espaços da Broadway, Soho e Greenwich Village.

O Telefone, agora com o fio mais comprido, ornamenta muros virando as esquinas, desenhando os sinuosos percursos do diálogo humano.

Ao chegar à Nova Iorque, percebi que o telefone é muito importante para os norte-americanos. Eles o utilizam para melhor controlar suas vidas. A partir daí, saí pelas ruas imprimindo telefones por toda a cidade. **

* Carta à Beatriz, Nova Iorque, s/d 1982.
** Entrevista para o Jornal O Estado de São Paulo, 11 de janeiro de 1983, p. 12.

Muro com grafite de Alex e intervenção anônima, SP - 1979


Agir de maneira fortuita, na fronteira da marginalidade, encantava Alex. Mas se alguém pedisse uma obra para seu muro atirava-se ao trabalho com o mesmo entusiasmo.
Houve encontros desagradáveis com a polícia. Ele conta que só encontrará um clima mais ameno em Nova Iorque, onde as autoridades, já acostumadas com os grafiteiros, se limitavam a aconselhar: be careful, please!
Quero deixar a cidade mais bonita, soltar a imaginação das pessoas diverti-las...*
* Vallauri, Alex. Folha de São Paulo, 13 de agosto de 1984, Caderno 2.

"A Bota" - SP, 1979


Alex inicia seus grafites de forma anônima, com a imagem de uma bota.
A prática adquirida em lidar com as matrizes recortadas da xilogravura e o conhecimento do stencil o levam a recortar o papelão em forma de máscara para imprimir a imagem em positivo, o que lhe possibilitará, do mesmo modo que com a gravura, multiplicar as figuras ao infinito. A Bota é o primeiro grafite em stencil a aparecer nos muros da cidade de São Paulo.

"Pernas de mulher" Lápis sobre papel - Paris 1976


Bom dia! O destino? Tudo estava dando certo quando, de repente, pode crer, hepatite! Tanto tempo programando tudo...
Tô num quartinho de pensão pequeno, pequeno.
(...) O dia custa a passar. Pensa-se muito, mas psicologicamente estou legal. (...) Acho que esta parada será produtiva, comecei outro desenho para a expo no Brasil e me sinto bem seguro com o que quero. Vou tentar chegar lá. Esterilizem esta carta! Vou espalhar vírus pelos continentes! E, agora, a desenhar!*

*Carta à irmã Claudia Vallauri, Paris, 1º de janeiro de 1976.

Xilogravura sobre desenho realizado em Estocolmo - 1975


Trabalharei na Lito (Lito Art Center de Estocolmo), como impressor. Começo daqui a duas semanas. É uma boa, 20 cruzeiros por hora e me contrataram por sete horas por dia. Posso economizar, comer minha marmita de arroz integral, sentado tranqüilamente no murinho da beira do cais e descansar meus pés ainda inchados. *
O contrato não é seguro e nem sempre há trabalho, mas aproveita o tempo livre para desenvolver projetos em litografia com o uso de recursos fotográficos, e percorrer salas de exposições.

* Carta à Beatriz - Estocolmo - 10 de agosto de 1975

"Boca com alfinete" Xilogravura em três cores - SP 1973



É convidado a participar do Núcleo de Gravadores de São Paulo (NUGRASP) coordenado por Izar de Amaral Berlinck. O Núcleo oferecia um lugar adequado para o trabalho, com apoio técnico e equipamentos necessários. Contava com impressores de gabarito para servir aos artistas que necessitassem de grandes tiragens.

Iniciei-me nas artes como gravador, seduzido principalmente pela reprodução em série de imagens, conseqüente barateamento do seu custo e possibilidades de maior divulgação de meu trabalho.*

* Alex Vallauri em release para a exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo - 1981

"Outro bar" Xilogravura Alex e Beatriz no Bar My Love - Santos 1968






Escolhemos a Avenida Xavier da Silveira como ateliê ambulante - um pouco porque ficava mais perto do trajeto do trem, um pouco pela ausência de sofisticação dos freqüentadores.

Alex tinha um profundo desprezo pela hipocrisia burguesa.*

* Entrevista com a artista plástica Lydia Okumura, residente nos Estados Unidos por ocasião de sua exposição no Brasil, em novembro de 2004.

"Mulher com anel" Desenho em lápis de cor, SP - 1972


O universo dele era mágico. O quarto de dormir e os ateliês me atraíam. Havia papéis coloridos, papéis chineses recortados que pareciam se desmanchar no ar, caixinhas de todos os tipos, animais de gesso pintados com cores alegres, sapatos de salto alto pintados com listras ou de oncinha que ele usava nas obras. Agora, as músicas; não! Eram chatas pra caramba! Ele me dizia - Escuta essa- e cantava junto com o disco. E eu não agüentava! Mas eu sabia o quanto ele gostava de mim. Não precisava falar. Eu sabia.
Depoimento de Flavia Rota-Rossi e Mello, 28 de julho de 2005

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Alex 1973



Alex Vallauri em São Paulo - 1973

Hellen 1968




Alex a conheceu numa noite de sede em que entramos no ABC. Foi amizade à primeira vista entre a cinqüentona enigmática e o menino com careca de calouro da Álvares Penteado. Naquela noite, Alex fez um desenho a pastel de Helen.





quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Breve currículo da autora


Beatriz Y. Allevato de Rota-Rossi
Professora de História da Arte, Estética da Comunicação, artista plástica e escritora.
Observação: Mais informações Curriculo Lattes

Produções artística:
Exposições anuais em várias capitais do país, de desenhos, gravuras e esculturas de sua autoria. Mostras em galerias e museus de vários estados brasileiros: MAM Recife, Pernambuco MAM, São Paulo, SP. / MASP São Paulo / Secult Porto Alegre, RS / Secult Paraty, R J / MAC São Paulo SP, Sesc Santos, Sesc Pompéia, SP / Câmara Legislativa de Florianópolis, entre outros.
No exterior: Pré Bienal 2004-05 da Coréia do Sul, Festival do Vento Ilha Jeju / Barcelona no Museu João Miro / Exposição itinerante na Espanha / Córdoba, Argentina na Universidade de Córdoba / Berlim, Alemanha, Salão do Trabalho, Cidade do México na Universidade do México, Buenos Aires, Argentina / Nova Orleans, Estados Unidos/ Pittsburg, Universidade de Pittsburg, Pensylvania, USA / Rotterdam, Biblioteca Central Holanda, D. F. México, Galeria do Auditório Nacional, México / Tel Aviv, Israel. Varsóvia, entre outras.

Livros ou capítulos de livros publicados :
“Alex Vallauri da gravura ao grafite” Biografia. Editora UNISANTA. ISBN 978-65-98773-07-0.l Lançado na Off Flip, de Paraty, RJ.
SANTOS, Sandra, “Por todos os Poros”, fotografia, apresentação p. 19, editado pela autora CIP 04-3219
“Do Impressionismo ao Dadaismo” 5 Cadernos, textos e coordenação. Editora UNISANTA.
“Âmôai, Uma Possível Lenda” Literatura infanto-juvenil. Ilustração Mariângela Lessi Rabello, Editora Unisanta.
“Traços e Tramas da Arte Santista” Livro sobre os movimentos culturais na década de 70 na cidade de Santos. Coordenadora, junto a Maria LúciaGodoy. Editora UNISANTA.
“Varal Contos de Paraty” editado pela autora. SC.